O acendimento anual da Chama Crioula marca o início das
atividades comemorativas da Revolução Farroupilha, o que atualmente denominamos
“festejos farroupilhas”. Trata-se de momento importante e com alto grau de significação,
mesmo porque o local escolhido é sempre um ponto histórico e que se presta a
estudo e reflexão.
Neste ano de 2015 o acendimento ocorreu no sítio
histórico da Colônia do Santíssimo Sacramento, hoje cidade de Colônia no
Uruguai. Quem esteve na cerimônia, no dia 12 de julho, sentiu a emoção de estar
participando de um momento único e transcendente. A presença dos cavaleiros, o
fogo crepitando no centro da praça maior, as pessoas emocionadas, tudo
contribuiu para que pudéssemos realizar um ato histórico importante. No
entanto, isso que fizemos, mais a cavalgada de Colônia ao Chuí, o desfile em
Montevidéu e tudo o mais que ainda será feito, precisa servir para melhorar
nosso conhecimento sobre o gaúcho, sua história e a herança cultural que
recebemos.
Fernando Assunção, um dos maiores
historiadores do Uruguai, escreveu: “Conhecer
o gaúcho é como por a mão sobre o peito aberto da pátria, sentir viva e quente
a batida de seu coração”. Isso serve para todos que se sentem parte daquilo
que se tem denominada “pátria gaucha ou gaúcha”.
O mesmo historiador, em seu livro
“El Gaucho”, afirma que “el gaucho es el
producto axial de la cultura ganadera cimarrona de las pampas húmedas
atlántico-platenses en la América del Sur. Es el habitante de la última gran
frontera que constituyó dicha región”. Há quem diga simplesmente: “o gaúcho
é filho do boi”.
Não há dúvidas de que a estrutura
social e cultural da pampa é uma consequência dessa atividade humana centrada
na caça e depois na criação e exploração do gado vacum, sempre utilizando como
meio de locomoção o cavalo.
Aceitando essas premissas, voltamos
à Colônia e lembramos que foi lá o surgimento dos primeiros gaúchos de
influência portuguesa. O gaúcho com influência espanhola já tinha aparecido no
Paraguai e na Argentina. Entre o surgimento de Colônia, 1680, e a fundação do
Forte Jesus-Maria-José, 1737, há duas gerações de homens e mulheres de várias
descendências (charruas, minuanos, guaranis, espanhóis, portugueses, mamelucos
brasileiros e platinos) espalhados por um largo território que passou a ser
disputado entre as duas coroas ibéricas.
Cristóvão Pereira de Abreu –
primeiro tropeiro do Rio Grande – levou as primeiras tropas de gado para o
centro do Brasil, saindo de Colônia. Isso antes de haver qualquer ocupação
portuguesa em território sul-rio-grandense. O Gaúcho nasce antes do Rio Grande.
O gaúcho que cultuamos, que idealizamos, que cantamos e decantamos, nasce na
pampa – esse espaço físico, sem delimitação precisa, que traz em si conceitos
de apego à terra, de liberdade, de valentia, de guerra, de cavalo e de muito
boi – se forma, se consolida e se transforma. O Gaúcho original não existe
mais, não por ter desaparecido como ocorreu com o povo charrua, mas por ter se
adaptado e se transformado. Daí a convicção de que o gaúcho de hoje é um
conceito cultural. É produto de uma história única que teve a participação de
várias culturas no momento da formação e que assimilou outras (especialmente a
açoriana, a alemã e a italiana) no período de transformação que sucede a
Revolução Farroupilha, episódio fundador da identidade da sociedade
sul-rio-grandense.
A Chama Crioula de 2015 que vem
abençoada pelo Patrono do festejos farroupilhas Pe. Amadeu Canellas, quando
chegar às praças públicas, aos CTGs, às escolas, aos acampamentos do Rio Grande
do Sul, deve ser saudada como a representação da história do gaúcho que brotou
da terra, que nasceu da pampa, que fez pátria entre Colônia e Laguna.
Manoelito
Carlos Savaris
Presidente
do MTG