quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Editorial do Presidente - Duas questões na mesa

No Andes cambiando de cueva.
Hacé las que hace el ratón:
conserváte em el rincónem
que empesó tu esistencia:
vaca que cambia querências
e atrasa em la parición.
                       Foi dessa forma que José Hernádez se expressou no épico Martín Fierro, ao tratar de gente que não fixa lugar e que anda pra cá e pra lá achando que na casa dos outros a comida é melhor, sem “vestir uma camisa”.
                    Os CTGs são clubes que congregam pessoas e constroem suas histórias criando um ambiente em que cada associado se sente “dono” e defende a entidade. De alguma forma cada dirigente de CTG procura aprofundar o espírito de “amor à camiseta”, ou seja, o espírito de luta e desprendimento que faz de cada associado um soldado daquela casa.
                    Esse espírito de apego ao CTG é estimulado e internamente elogiado com frequência, não para desmerecer aos outros, mas para fortalecer a si. Com frequência vemos tradicionalistas afirmando: “eu sou .... (o nome do CTG)”. Assim como é comum ouvirmos pessoas se vangloriando e demonstrando orgulho de serem fundadores ou de estar a tantos anos no CTG tal.
                    Temos no nosso meio dois fenômenos que contrastam com tudo isso, ou seja, duas situações específicas que contrariam essa lógica de “vestir a camisa” ou de defender a “sua casa”, uma na área artística e outra na atividade campeira.
                    No meio artístico nos deparamos com os “instrutores de danças” e com os “musicais” que deixaram, na sua grande maioria, de representar uma entidade. Eles não têm mais o espírito de representação de uma bandeira. Defendem, ou melhor, utilizam várias bandeiras. Acredito que todos eles tentem fazer o melhor em cada CTG que trabalham, geralmente mediante remuneração. Não tenho certeza se conseguem manter o mesmo desempenho, mesmo que digam sempre: “sou profissional”. A contradição está tanto nessa questão de trabalhar para vários CTGs, quanto na questão do profissionalismo. Eu imagino como seria se um treinador de futebol treinasse vários times que participam do mesmo campeonato. Ou um atleta que jogasse por vários times. Será que o profissionalismo resolveria essa questão?
                    Na área campeira temos um fenômeno um pouco diferente. Há a troca de entidade e a formação de grupos com o fim específico de ganhar mais provas e acumular mais prêmios em dinheiro, mas aqui me refiro aos laçadores que resolveram “cambiar de cueva”. Me parece que são pessoas que só querem diversão, jogo e ganho de dinheiro. Não há a mínima preocupação com a preservação da tradição ou com o fortalecimento das entidades tradicionalistas que são os esteios da preservação das tradições.
                    As duas situações devem ser analisadas com cuidado. No primeiro, devemos verificar se há alternativas que mudem ou que façam retornar à situação dos anos 90. Sempre com o devido cuidado para não destruir tudo aquilo que há de bom e bonito na atividade artística. No segundo caso, devemos decidir se aceitamos os “cambiadores” que desejam ter morada em duas casas diferentes e que ficam especulando, a cada dia, qual casa oferece melhor prato à mesa.

                    Como arremate dessa reflexão vale lembrar os versos de mesmo José Hernández, ainda em Martín Fierro:

“A naides tengás envidia;
 es muy triste el envidiar;
 cuando veás a outro ganar;
 a estorbarlo no te metas:
 cada lechón em su tetaes
 el modo de mamar”.

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